Figurando há
anos como uma das principais causas de morte no país, o acidente vascular
cerebral (AVC) é um antigo conhecido da população. Só em 2015, por exemplo,
cerca de 100 mil óbitos foram ocasionados pela doença no Brasil, segundo dados
do Ministério da Saúde. Diante de tal cenário, falar sobre a prevenção dos
fatores de risco torna-se obrigatório: entre os principais, está a fibrilação
atrial (FA), o tipo de arritmia cardíaca mais comum do mundo, que leva o
coração a bater em um ritmo irregular, aumentando em cinco vezes as chances dos
pacientes sofrerem um AVC.
A fibrilação
atrial é um grande problema de saúde pública e os números da doença são
alarmantes. Mas qual é a relação entre as duas doenças? Primeiro, é preciso
entender a atuação da FA: a enfermidade faz com que os sinais elétricos
emitidos pelo coração falhem, levando os átrios a se contraírem de maneira
irregular, "fibrilando", e provocando um acúmulo de sangue local. Tal
retenção, além de outras alterações provocadas pela FA, pode levar à formação
de coágulos sanguíneos que podem se dirigir à circulação sanguínea e chegar a
qualquer parte do corpo, como o cérebro – provocando o AVC, que, nesse caso,
tende a ser mais grave do que em outras situações.
O
diagnóstico precoce e o tratamento da fibrilação atrial são fortes aliados do
paciente para evitar essa complicação, pois parte do tratamento consiste no uso
de medicamentos anticoagulantes, responsáveis por reduzir o risco de AVC. É
importante ressaltar, ainda, que existem tratamentos que visam restaurar a
frequência cardíaca do paciente.
O maior
desafio está no fato de que a FA é uma doença silenciosa: muitos dos pacientes
não apresentam sinais da arritmia, o que faz com que eles não procurem
orientação médica. Entretanto, nos casos em que há manifestações, os sintomas mais
comuns englobam palpitações, tontura, dores no peito e falta de ar. Além disso,
outro ponto que merece atenção é que, embora a fibrilação atrial atinja entre
1,5 milhão e 2 milhões de pessoas no país, ela ainda é desconhecida pela
população, como mostrou a pesquisa "A percepção dos brasileiros sobre
doenças cardiovasculares", encomendada pela Boehringer Ingelheim (BI) e
desenvolvida pelo Ibope Conecta, em que 63% dos participantes afirmaram nunca
terem ouvido falar sobre a arritmia. O estudo também revelou que 47% dos
entrevistados com FA não faziam uso de medicação anticoagulante, ficando mais
expostos às complicações da doença.
Uma das
possíveis explicações sobre a não adoção ao tratamento é a preocupação com
sangramentos, o efeito colateral mais lembrado das medicações anticoagulantes -
conhecidas popularmente por "afinarem o sangue". Entretanto,
recentemente a medicina testemunhou um grande avanço quanto a essa classe
terapêutica: já está aprovado em 61 países, inclusive no Brasil, o primeiro
agente reversor de medicação anticoagulante do mundo, destinado a uso
hospitalar. De princípio ativo idarucizumabe, o medicamento possui efeito
imediato e momentâneo, revertendo especificamente a ação da dabigatrana, em
pacientes que precisam ser submetidos a cirurgias de emergência ou apresentam
sangramentos incontroláveis, ocasionados por acidentes, sejam eles domésticos
ou não.
Logo, apesar
de parecer inofensiva em um primeiro momento, a fibrilação atrial representa um
grande risco para a saúde de quem sofre com a doença, que atinge principalmente
idosos acima dos 70 anos. É comum os pacientes serem diagnosticados com a
arritmia apenas em um episódio de AVC, a sua manifestação mais grave, que pode
levar a sequelas incapacitantes e até à morte. Por isso, é importante realizar
check-ups de rotina, consultando o médico especialista em caso de dúvidas e
sintomas.
Por dr. José Francisco Kerr
Saraiva, médico
cardiologista, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e
professor da PUC Campinas.